Sérgio Marcelino

O Brasil não é um país Laico !

Normalmente se ouve pessoas afirmando de forma categórica que o Brasil é um país Laico.

A vontade Divina se expressava através do Direito, e a prova disto é o fato de que, em seus oráculos, os sacerdotes recebiam de DEUS  as leis e códigos.

O renomado jurista brasileiro, Miguel Reale diz em um dos seus livros o seguinte: "O homem, nos tempos primitivos, era governado como se sabe, por um complexo de regras ao mesmo tempo religiosas, morais e jurídicas, indiferenciadas no bojo dos costumes, elaboradas no anonimato do viver coletivo, exigidas por chefes e sacerdotes".

Com certeza, não há como entender o Direito sem estudar a influência que ele sofre da religião, bem como a influência que recebe da religião até os tempos hodiernos.

É inegável que assuntos do dia a dia como divórcio, células tronco, aborto e outros, são sempre decididos pelas Cortes de Justiça com base e respaldo nas religiões, tendo às Igrejas forte influência sobre tais decisões, que notadamente são a expressão do que a sociedade anseia ou espera dos Tribunais.

Antigamente não existia grande diferença entre normas legais, normas morais e normas religiosas, contudo, atualmente se verifica que as religiões vêm formando base política para emplacarem as suas crenças nas decisões judiciais, inclusive, direcionando candidatos para os cargos eletivos do Poder Legislativo, como forma de futura força política nas decisões que favoreçam o norteamento das futuras decisões na sociedade brasileira.

Não é demais dizer que a religião e o direito se aliaram para formar força comum nas civilizações Romana, Grega, Hebraica, Hindu, Muçulmana e até na Chinesa.

Se analisarmos o direito chinês encontraremos lições de Confúcio que demonstram claramente, sem sombras de dúvidas, que foram lições precursoras do Direito atual Chinês.

O Direito Muçulmano é calcado no Corão, transmitido pelo anjo Gabriel a Maomé, e desta ordem formam-se os direitos pelo mundo todo, sempre com uma influência fortíssima das religiões que predominam em cada lugar do mundo.

Qualquer estudo sobre o assunto identificará que antigamente o direito, a moral e a religião se entrelaçavam como se fossem a mesma coisa ou como se uma não vivesse sem a existência da outra, sendo a vontade Divina expressada através do Direito.

E neste norte, as leis tinham que trilhar em perfeita harmonia com a religião, já que as relações humanas eram regidas pelas leis, até porque eram vistas como desejo da Divindade, e assim tratadas como sagradas e qualquer desobediência era um sacrilégio.

O surgimento das cidades foi levando a religião às Ruas, e os Cultos eram realizados nas Praças, e em determinados lugares eram construídos altares e templos cada um indicando à qual deus serviam, deixando de ser a religião um direito que era reservado apenas às famílias, passando a ser um direito de muitos.

Dentro deste novo cenário iniciou-se construções de Tribunais, onde os cidadãos se reuniam para julgar os crimes cometidos contra à Ordem Social, onde eram escolhidos juízes e árbitros para realizarem os julgamentos, no entanto, ao lado desses Tribunais eram erguidos templos em verdadeira homenagem aos deuses, demonstrando sem qualquer sombra de dúvidas que os julgamentos eram humanos, mas, a base legal era religiosa.

Para se ter uma ideia de como a religião era predominante na vida da sociedade, os antigos gregos consideravam que aqueles que não participassem no Culto não podiam ser beneficiados pela lei.

E não podia ser diferente, o Direito era desenvolvido pela religião, já que a sociedade estava sob o comando e respeito à religião.

Biblicamente falando, os 10 (dez) Mandamentos foram recebidos por Moisés, que recebeu das mãos de DEUS, no Monte Sinai e, neste sentido quase que por unanimidade os povos antigos deixam claro que as leis são oriundas de DEUS.

Temos conhecimento do Código de Hamurabi, datado de 2.000 (dois mil) anos antes de Cristo, sendo, provavelmente, o mais antigo Código da história da humanidade.

Os 10 (dez) Mandamentos, para os países Ocidentais e Orientais são a estrutura de todas as Normas Jurídicas, portanto, todos os legisladores se calcaram no decálogo, inclusive os que se diziam não religiosos, razão de ser o mais antigo código, que formou a base ética, moral e o Direito positivado até os dias de hoje no mundo.

Como a religião dominava o conhecimento jurídico, os estudiosos do Direito eram os sacerdotes, pelo menos até a queda do monopólio do Império Romano.

Dois grandes nomes se destacaram no âmbito jurídico daquela época, foram eles São Thomas de Aquino e Santo Agostinho, que participaram da Patrística e da Escolástica, sendo pessoas que eram vistas como juízos de DEUS.

Com o tempo surgiram as Universidades de Bolonha e Salamanca, dentre outras, contudo, o separação da Religião do Direito só ocorreu no século XVII, através de Hugo Grócio, todavia, a força maior na divisão ocorreu no século XVIII, notadamente na França, com o advento da Revolução Francesa, que firmou a separação entre a religião e o direito.

Em razão dos mesmos homens serem pontífices e jurisconsultos, já que a Religião e o Direito se confundiam nos estudos e códigos, verificava-se que os antigos códigos eram um conjunto de ritos, de prescrições litúrgicas e orações que se misturavam com as disposições legislativas.

Como foi dito anteriormente, a Revolução Francesa, no século XVIII, rompeu este elo e foi exigida a separação da religião do Estado, distanciando a religião do direito, constituindo-se o Estado como o soberano, o qual tinha a competência para distribuir a justiça.

Os religiosos procuraram por sua vez estabelecer as suas normas internas para que fossem estabelecidas e executadas de forma autônoma e independente.

No entanto, o Estado não podia desconsiderar os sentimentos da sociedade em relação à religião, até porque seria uma interferência perigosa e nociva à sociedade, apesar de que, ao Estado era dada a responsabilidade de não permitir que uma parte da sociedade fosse obrigada a seguir as mesmas convicções religiosas de outra parte da sociedade.

Desde a promulgação pelo Governo Provisório dos Estados Unidos do Brasil, através do Decreto 119-A, de 7 de janeiro de 1890, as Igrejas passaram a ocupar o mesmo espaço privado da vida jurídica nacional, da Proclamação da República do Brasil.

Através de um documento papal, denominado "Bula Inter Coetera", foi promulgado pelo Papa Alexandre VI, em 04 de maio de 1493, onde foi instituído o ensino jurídico do Brasil.

O primeiro Tribunal Eclesiástico do Brasil ocorreu em 1677, em Salvador, onde foi criada a primeira obra jurídica brasileira, denominada "Constituições Primeiras do Arcebispo da Bahia", em 1707, documento que foi a base do Direito Canônico brasileiro e que serviu até a República ao Direito Civil.

Até o advento da Constituição do Império de 1824, que sucedeu o período muito atribulado da convocação da Assembléia Legislativa e Constituinte, nenhuma alteração na estrutura jurídico-religiosa foi efetivamente realizada, contudo, ao final, a Religião Católica com base no artigo 5º da referida Constituição era a Religião do Império e que determinava que todas as religiões eram permitidas, apenas dentro dos seus Templos.

Os princípios que regiam a política religiosa do Império eram:

1) A confessionalidade do Estado.

2) O caráter público e oficial da Igreja Católica.

3) A tolerância religiosa individual e coletiva.

4) O caráter privado das religiões não-católicas.

É muito interessante como o Estado trilhava enlaçado à Igreja Católica, inclusive, o Código Criminal do Império, estabelecia pena à pessoa que fizesse gozação contra a religião, de conformidade com o artigo 277 do mencionado Diploma Legal.

O regime público da Igreja Católica era regido também pela Constituição, onde o Imperador, chefe do Poder Executivo, era quem nomeava os Bispos, de conformidade com o dispunha o artigo 102, parágrafo 2º.

Para os estudiosos do assunto da Constituição Jurídica da Igreja, cujo estudo era denominado "Direito Público Eclesiástico", submisso ao Ministro da Justiça,  sendo um deles Cândido Mendes, afirmava categoricamente o seguinte: "Uma igreja serva, tal como a possuímos, torna-se a mofa do século, um instrumento inútil para o bem e desprezo para a sociedade".

A disciplina era muito valorizada, inclusive, era matéria obrigatória, nos Cursos de Direito em São Paulo-SP e Olinda-PE, os quais foram instituídos pela Lei de 11 de agosto de 1827.

Com a queda do Trono Imperial, em 15 de novembro de 1889, há realmente uma separação entre o Estado e a Igreja, e a Igreja Católica deixou de ser a religião oficial e estatal.

Observe que há uma impressão paradoxal, pois, aconfessionalidade não é uma característica essencial de um regime republicano, já que não são incluídos no adjetivo "republicano" o conceito de laicidade ou aconfessionalidade, contudo, a Constituição da época tratava a religião católica como oficial do Estado.

Em 1890, mais precisamente em 7 de janeiro, ocorreu a promulgação do Decreto 119-A do Governo Provisório, e em 24 de março de 1891, veio a Constituição dos Estados Unidos do Brasil.

Com o fim da República de 1891 e o advento da Constituição de 1934, foi quando realmente foram firmados alicerces constitucionais que definitivamente determinaram a separação da Igreja do Estado, daí, alguns afirmam que o Estado passou a ser laico, no entanto, a definição mais correta é "Estado Aconfessional".

Para se confirmar que o Brasil é um Estado Aconfessional, o Direito Eclesiástico segue as seguintes regras: "Emana dos órgãos do Estado", "É aplicado a todas as organizações religiosas" e "Possui coercitividade civil", sendo como funciona a religião no Brasil.

Portanto, o princípio maior que rege até os dias de hoje as relações entre o Estado e a Igreja é o "Princípio da Aconfessionalidade", já que os Municípios, os Estados da Federação e a União não confessam nenhuma religião, bem como não têm, oficialmente, nenhuma organização religiosa.

O termo "laico" foi introduzido pelo Direito Francês, para designar uma característica do Estado que não reconhece nenhum tipo de Culto. No caso, não se confunde o fato de o Estado ser laico com não crer em uma divindade, apenas, este fato não é considerado como importante para o Estado.

Para o Estado ser considerado laico, ele não pode participar de qualquer atividade religiosa, nem como um cooperador, sendo inaceitável tal situação.

Observa-se, sem qualquer sombra de dúvida, que o Brasil não tem qualquer similaridade com a França, desde a Constituição de 1937 que o Brasil reconhece a existência de "DEUS", que indica textualmente no preâmbulo: "Sob a proteção de DEUS".

Outro fato interessante é que a Constituição brasileira, em seu artigo 19, inciso - I, apesar de proibir que pessoas jurídicas de Direito Público façam parte dos Cultos Religiosos, por outro lado, ressalvam a "colaboração de interesse público", e isto seria impossível num Estado que impera o "laicismo".

Ressalte-se ainda que o Estado brasileiro permite o ensino religioso nas Escolas Públicas de Ensino Fundamental, e o mais profundo ainda é a aceitação constitucional dos efeitos civis para o casamento religioso, o que registra um elo que jamais poderia existir num Estado laico.

Sobre o assunto, pontifica o STF - Supremo Tribunal Federal, que há um "silêncio eloquente". 

Verifica-se, facilmente, que a Constituição Federal intencionalmente omitiu o termo "laico", portanto, razão para se afirmar que: "O Estado Brasileiro NÃO É UM ESTADO LAICO" é sim um "Estado ACONFESSIONAL", na expressão da palavra, que etimologicamente significa: "No Dicionário Houaiss (2001) o substantivo aconfessional está atestado como o «contrário a qualquer confissão ou crença religiosa; que não envolve confissão». Assim, o adjetivo aconfessional é antônimo de confessional".

Deixo aqui uma importante confissão do ilustre "Rui Barbosa" sobre as instituições de 1891, que se ajustam perfeitamente à Constituição Federal de 1988, vejamos: "As instituições de 1981 não se destinaram a matar o espírito religioso, mas a depurá-lo, emancipando a religião do jugo oficial". 

(Artigo  escrito e publicado pelo advogado e doutorando em Teologia, Sérgio Marcelino Nóbrega de Castro). 

Fonte: Instituto de Teologia LOGOS).

Sérgio Marcelino
Escrito em 17 de setembro de 2022, por Sérgio Marcelino Advogado militante há 30 anos, atuando nas áreas cível, família, consumidor, trabalhista e criminal. Recebeu em 2004 a láurea de "melhores da advocacia do Brasil", representando a Paraíba. Em 2010 recebeu o prêmio "Heitor Falcão".

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