Em entrevista exclusiva à AMB, ministro Sydney Sanches fala sobre carreira e legado para magistratura

O ministro foi homenageado quando se aposentou aos 70 anos de idade no Supremo.

O datilógrafo de cartório que chegou ao STF lutou pela autonomia política, administrativa e orçamentária do Judiciário. A entrevista foi concedida em homenagem ao dia da Constituição Federal e dos Aposentados, comemorados em 24 de janeiro

A três meses de completar 88 anos de idade, Sydney Sanches é um protagonista vivo da história da Justiça brasileira. Último ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) nomeado pela ditadura militar, ele participou da promulgação da Constituição Federal de 1988, sendo responsável por suas primeiras interpretações. A lucidez do ex-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (1981/1983) também guarda detalhes dos bastidores de grandes episódios políticos do país. Como a articulação da posse de José Sarney na presidência da República (1985), e o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, coube ao magistrado presidir o julgamento de impugnação. Em entrevista por telefone à AMB, o ministro Sanches compartilhou sua história de vida que passa por uma jornada heroica de quem sobreviveu à pobreza e tornou-se grande fonte de consulta para pesquisadores do Judiciário.

Após sua aposentadoria do STF (2003), o magistrado pendurou a toga e doou sua máquina de escrever, que lhe acompanhou por décadas, para o acervo do Museu do Fórum de Pitangueiras- SP. “Eu devolvi a cidade um pouco de mim. Minha eterna gratidão”, disse saudosamente. O vínculo de amor por aquele lugar começou quando o ministro conseguiu emprego aos 11 anos de idade para trabalhar como datilógrafo do cartório de imóveis para ajudar no sustento da família. Nascido em Rincão-SP, filho de dona de casa e ferroviário superou as dificuldades financeiras com uma vida também dedicada aos estudos.

Em meados da década de 40, no período da Era Vargas (1930-1945) o trabalho infantil era bastante comum no Brasil. Na pacata cidade de Pitangueiras- SP, que na época tinha 4 mil habitantes, havia único cartório de imóveis. No local trabalhava, sobretudo, homens e um pequeno adulto que suprimia a infância e as responsabilidades de gente grande.

Os dedos ligeiros de Sydney na máquina de datilografia o levaram a conhecer o universo das leis; documentos, autenticações de assinaturas de pessoas comuns e autoridades que permeavam sua vida desde sua infância adulta. Todo esse ambiente foi despertando-o a paixão pelo o mundo jurídico.

Aos 20 anos de idade, ele mudou-se para São Paulo. A capital marcava um novo tempo na vida do magistrado que deixou sua família no interior do Estado para estudar Direito na Universidade de São Paulo (USP). A mudança de cidade foi rompimento de paradigma. “Quando cheguei a São Paulo nunca tinha entrado em elevador e nem sentido cheiro de gás de cozinha”, recordou o contraste da modernidade com a vida interiorana. A porta da USP era primeira que foi aberta para alcançar o sonho de ser magistrado.

Nove anos depois, após uma longa jornada de estudos, ele foi aprovado em 1º lugar no concurso público de Juiz de Direito em 1962 nas comarcas de Santo André -SP, São Bernardo do Campo- SP, Guarulhos- SP. “Estudei muito. Foram 14 horas por dia. Esforcei-me muito para realizar esse sonho. Eu atravessei várias barreiras sociais, tive muita fé e consegui me tornar juiz. Os meus pais me ensinaram que o estudo é o caminho mais seguro de ascensão na vida”, comentou.

Na década de 60 iniciou o período da ditadura militar. O que impunha novos desafios para magistratura da época. “Peguei diversos regimes constitucionais; de 1946, de 1967, a Emenda Constitucional de 1969. Os limites da atuação da magistratura eram muito grandes. Não podia ser dado Habeas Corpus. Era um cerceamento da liberdade dos juízes”, comentou.

Sydney Sanches foi se destacando no Judiciário e na carreira acadêmica onde conquistou vários títulos, o que chamou atenção dos magistrados que o colocaram como presidente da AMB, no início da década de 80, quando a sede da entidade era localizada no Rio de Janeiro- RJ.

As bandeiras defendidas pelos associados à AMB era independência política, administrativa e orçamentária. “De certa forma, algumas dessas bandeiras foram para Constituição de 1988. Antes o Judiciário enviava a proposta orçamentária para o Executivo, que a cortava pela metade, depois disso, era enviada para o Congresso Nacional votar o orçamento definido pela Presidência. Hoje o presidente só opina. O legislativo é quem pode cortar verba”, explicou.

Sydney não concluiu o mandato na AMB, após ser indicado pelo o então presidente general João Baptista Figueiredo ao STF. Quando chegou a Suprema Corte, encontrou nomes como Moreira Alves, Oscar Corrêa, Néri da Silveira, Cordeiro Guerra, Ilmar Galvão, Otávio Galloti, Rafael Mayer, Djaci Falcão e Aldir Passarinho, entre outros.

O ministro julga que essa composição era tida como conservadora. “A composição que serve a Constituição”, avaliou. “Meu nome foi aprovado com 38 votos e uma abstenção. Naquela época não tinha sabatina. O presidente indicava, o Senado votava e o presidente nomeava”, explicou.

Recém-chegado no Supremo, o ministro Sanches acompanhou os bastidores da posse presidencial após a morte de Tancredo Neves, falecido em 21 de abril de 1985. “Chegou no dia da posse, Tancredo passou muito mal e não foi empossado. Houve uma reunião do STF para saber quem seria o nome para ficar no lugar dele. O Sarney, então vice-presidente, ou era Ulysses Guimarães, que era presidente da Câmara. A maioria entendeu que quem tinha que tomar posse era o Sarney”, relatou. A decisão foi tomada na casa do ministro Cordeiro Guerra que era presidente do STF naquela época.

Sydney Sanches tornou-se presidente do Tribunal Superior Eleitoral e Supremo Tribunal Federal. Além disso, presidiu o julgamento de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello em 1992. “Eu conduzi o processo tranquilamente. Dormi todas as noites. Fazia as minhas caminhadas pelas quadras da Asa Sul. Apesar do clima de tensão que o país vivia ninguém me parava nas ruas para me perguntar nada. Hoje, o Judiciário tem uma exposição muito maior na mídia, os ministros são conhecidos da população”.

O ministro Sydney escolheu voltar para capital paulista após a sua aposentadoria do STF há 18 anos. Viúvo da professora Eucides Rodrigues Sanches (2006), pai de quatro filhas, nove netos e dois bisnetos, ele vive ao lado da família, dos troféus e das medalhas espalhadas pelo apartamento. Recluso no período da pandemia, ele passa o dia ouvindo Andrea Bocelli, Luciano Pavarotti e Ludwing van Beethoven, para tornar agradável a rotina de trabalho como consultor jurídico. “O cargo de juiz é de muita responsabilidade. É um ofício que define destino de vidas. É preciso agir de acordo com a lei. Imparcialidade. A pessoa não é importante. É a função que é importante. Quando se deixa a função perde-se o poder”, avaliou.

O ministro foi homenageado quando se aposentou aos 70 anos de idade no Supremo, em abril de 2003. “Agora estou esperando minha homenagem de 100 anos. Isso é uma tradição para ministros do Judiciário. Acredito que chego lá”.

Publicado em 24 de janeiro de 2021

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