Erro médico causa indenização de R$ 50.000,00

Após operação para retirada do útero a paciente descobre uma gaze em seu abdômen.

Em Minas Gerais, uma mulher se submeteu a uma cirurgia para retirada do útero, entretanto, durante a operação foi descoberto que o médico deixou gaze no abdômen da mulher.

Foi confirmada a decisão de primeira instância que havia condenado o Hospital Maternidade e Pronto-Socorro Santa Lúcia Ltda, o Município de Poços de Caldas e o médico, solidariamente, em acórdão da lavra da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

A condenação foi arbitrada em R$ 30.000,00 (trinta mil reais) pelos danos morais e R$ 20.000,00 (vinte mil reais) pelos danos estéticos sofridos pela paciente.

A paciente relatou que, em 31 de maio de 2010, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), se submeteu a uma cirurgia de histerectomia total abdominal, com a finalidade de retirar do útero.

Dois anos depois a paciente passou a sentir fortes dores abdominais, o que levou-a a fazer alguns exames, tendo sido observada a existência de uma mancha preta no seu abdômen.

Para alguns médicos a mancha seria um tumor, contudo, a suspeita foi descartada com outros exames maia precisos.

Em nova cirurgia, desta vez no Hospital Santa Casa, a mulher se submeteu a uma nova cirurgia para a retirada do corpo estranho, onde ficou internada por quase dois meses, devido a uma séria infecção.

De acordo com o processo, a paciente perdeu parte do intestino, além de ter ficado com uma cicatriz, fatos que causaram danos psicológicos à mulher.

No julgamento da demanda, a juíza de direito Alessandra Bittencourt dos Santos Deppner, da 2ª Vara Cível da Comarca de Poços de Caldas, julgou procedentes os pedidos da paciente e condenou o médico, o hospital e o município a pagar solidariamente as indenizações.

Insatisfeitos com a decisão, todos os litigantes apelaram ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

No tocante ao Recurso de Apelação, o médico alegou que as cicatrizes da paciente seriam oriundas de outros procedimentos cirúrgicos, requerendo a isenção da sua responsabilidade.

Por outro lado, o hospital arguiu que o médico e o instrumentador não eram funcionários do Hospital Santa Lúcia, já que o pertencia à vários hospitais, e o segundo era funcionário do primeiro.

De outro ângulo, o Município de Poços de Caldas alegou que o médico era funcionário do hospital e não do município, fato que afastaria toda a responsabilidade do município.

No entanto,  para o relator do processo no TJMG, o desembargador Luís Carlos Gambogi, quando há prestação de serviço médico-hospitalar pelo SUS em hospital privado, tanto o município quanto o hospital são responsáveis pelos erros médicos cometidos no estabelecimento.

De acordo com o julgador, não há dúvidas de que foram configurados os danos moral e estético na paciente. “A má prestação do serviço levou a apelada a ser submetida a novo procedimento cirúrgico, com a abertura de sua cavidade abdominal, desde a região superior do abdome até a região púbica (…), resultando, naturalmente, em cicatrizes que permanecerão gravadas em sua pele para sempre”, asseverou.

Dessa forma, o relator negou provimento aos recursos. Seu voto foi acompanhado pelos desembargadores Wander Marotta e Carlos Levenhagen.

Apelação Cível 1.0518.14.000151-3/001 

Inteiro teor do acórdão:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS – CIRURGIA DE HISTERECTOMIA – COMPRESSA DEIXADA EM CAVIDADE ABDOMINAL DA PACIENTE – ERRO MÉDICO – COMPROVAÇÃO – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO HOSPITAL PRIVADO E DO MUNICÍPIO – PROCEDIMENTO REALIZADO PELO SUS – NECESSIDADE DE LAPAROTOMIA EXPLORADORA – INCISÃO XIFO-PÚBICA – CICATRIZ DE GRANDE EXTENSÃO – DANOS MORAIS E ESTÉTICOS COMPROVADOS – QUANTUM INDENIZATÓRIO – MANTIDO – RECURSOS DESPROVIDOS.

– Em que pese a teoria da responsabilidade objetiva adotada pelo artigo 37, § 6º, da Constituição da República, para as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, a elas também se aplica a teoria da responsabilidade subjetiva, quando se tratar de um ato omissivo.

– Nos moldes do art. 951 do Código Civil, é devida indenização é “por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”.

– Consoante precedentes do colendo Superior Tribunal de Justiça, o hospital tem responsabilidade por erro cometido por profissional de saúde integrante de seu corpo clínico, assim como o Município, em se tratando de hospital conveniado ao SUS.

– Deve ser mantida a sentença que condena, solidariamente, o médico, o Hospital privado de cujo corpo clínico aquele faz parte e o Município, gestor do SUS, ao qual o nosocômio se encontra credenciado, ao pagamento de indenização por danos morais e estéticos causados a paciente que precisou se submeter a procedimento cirúrgico para retirada de compressa esquecida em sua cavidade abdominal durante cirurgia anterior, do que resultou lesão intestinal e cicatriz permanente de grande extensão em sua pele.

– Os danos morais devem ser arbitrados à luz do cânone da proporcionalidade, em que há relação de causalidade entre meio e fim, entre a ofensa e os objetivos da exemplaridade, e não, da razoabilidade, aplicável quando há conflito entre a norma geral e a norma individual concreta, entre o critério e a medida.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0518.14.000151-3/001 – COMARCA DE POÇOS DE CALDAS – 1º APELANTE: ROGÉRIO DE SOUZA ANDRADE E OUTRO(A)(S), HOSPITAL MATERNIDADE E PRONTO SOCORRO SANTA LUCIA LTDA – 2º APELANTE: MUNICÍPIO POÇOS CALDAS – APELADO(A)(S): PATRICIA ELISA FERNANDES SOUZA

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AOS RECURSOS.

DES. LUÍS CARLOS GAMBOGI

RELATOR.

DES. LUÍS CARLOS GAMBOGI (RELATOR)

V O T O

Trata-se de apelações cíveis interpostas por ROGÉRIO DE SOUZA ANDRADE E OUTRO e pelo MUNICÍPIO DE POÇOS DE CALDAS, contra a sentença de fls. 846/859, que, nos autos da ação de reparação por danos morais movida por PATRÍCIA ELISA FERNANDES SOUZA, julgou procedente o pedido inicial, condenando os réus, solidariamente, ao pagamento de indenização a título de danos morais, no importe de R$30.000,00 (trinta mil reais), e danos estéticos no importe de R$20.000,00 (vinte mil reais), atualizados monetariamente de acordo com os índices da CGJ, a partir da sentença, nos termos da Súmula 362 do STJ, acrescidos de juros de mora, de 1% ao mês, a partir do evento danoso, conforme Súmula 54 do STJ. Com relação ao Município, determinou que a correção e os juros deveriam atender ao art. 1º-F da Lei 9494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09, até 25/03/2015, a partir de quando a correção será calculada pelo IPCA-E. Por fim, condenou os requeridos nas custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que fixou em 10% sobre o valor atualizado da condenação.

Nas razões recursais de fls. 861/877, sustentam os primeiros apelantes que o contrato de prestação de serviços médicos não é um contrato de resultados, mas de meios, uma vez que não há garantia do médico de que seus serviços curem o paciente ou alcancem o resultado desejado. Afirmam que, por não ser o resultado exigível, a responsabilidade civil do médico só decorre de culpa, consubstanciada em erro de conduta, seja por ação ou omissão. Alegam que as cicatrizes deixadas na paciente não são provenientes da cirurgia realizada pelo ora apelante, mas de outro procedimento cirúrgico a que foi submetida, não tendo o dano estético sido causado pela histerectomia abdominal. Salientam que o médico que realizou o procedimento não é funcionário do Hospital Santa Lúcia, mas, apenas, membro do corpo clínico, assim como de outros hospitais da região. Asseveram, do mesmo modo, que o instrumentador que trabalhou na cirurgia, encarregado do uso e controle das compressas, também não e funcionário do hospital apelante, e, sim, do médico. Defendem que o hospital simplesmente permitiu que o médico realizasse a cirurgia em suas dependências, em nada contribuindo para o resultado, não tendo efetuado qualquer pagamento aos profissionais que participaram do procedimento, que são autônomos e não possuem vínculo empregatício com o hospital. Argumentam que o Hospital recorrente é um dos únicos do Estado de Minas Gerais que possui o Certificado de Acreditação Hospitalar emitido pela Organização Nacional de Acreditação (ONA), órgão reconhecido pelo Ministério da Saúde. Aduzem que o valor fixado a título de indenização não observa os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Com essas considerações, pedem o conhecimento e o provimento do recurso para que seja reformada a sentença e julgados improcedentes os pedidos iniciais.

O Município de Poços de Caldas também interpôs apelação (fls. 891/901), defendendo que a atuação do médico se deu como funcionário do Hospital corréu, não como servidor municipal, não tendo os trâmites protocolares do SUS sido devidamente observados por eles, o que afasta sua responsabilidade. Sustenta que, quando devidamente acionado, o SUS prestou atendimento adequado à apelada, que foi atendida em Hospital credenciado. Alega que a apelada acostou aos autos fotografias contemporâneas à cirurgia realizada no Hospital Santa Casa de Poços de Caldas, deixando de apresentar fotografias recentes, que permitissem considerar se existe dano estético que mereça reparação. Salienta que a cicatriz da recorrida não apresenta retrações ou sinais de deiscências, o que permite concluir pela conformidade da recuperação ao ato cirúrgico realizado. Afirma ser parte ilegítima para responder à presente demanda, na medida em que, o fato de integrar a chamada gestão plena da saúde, não lhe confere a responsabilidade por ato de particulares credenciados ao SUS, responsabilidade esta que caberia à União. Entende que, caso mantida a condenação, deve ser reduzido o valor da indenização em 50%. Eventualmente, aduz que a condenação solidária na obrigação principal não merece ser estendida presumidamente aos honorários advocatícios. Pede o conhecimento e o provimento do recurso, para que seja reconhecida sua ilegitimidade passiva para o feito e julgado improcedente o pedido inicial.

Contrarrazões às fls. 903/912.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço das apelações.

Haure-se que a autora, ora apelada, moveu ação de reparação por danos morais e estéticos em face dos réus, apelantes, aduzindo que no dia 31/05/2010 se submeteu ao procedimento cirúrgico denominado histerectomia total abdominal, realizado pelo médico, e primeiro requerido, Rogério de Souza Andrade.

Alega que, no início de 2012, começou a sentir fortes dores abdominais, seguidas de vômito e febre, tendo sido constatado, por tomografia de contraste, uma mancha escura, a qual se acreditou tratar, primeiramente, de um carcinoma, mas, depois, ficou demonstrado ser uma gaze que havia sido deixada em sua cavidade abdominal por ocasião daquele procedimento cirúrgico.

Informou que foi novamente internada para realização de cirurgia para retirada do corpo estranho, além de ter passado por outras cirurgias sequenciais, haja vista que precisou ficar com o abdômen aberto para “lavagem”, necessária para cessar a infecção, tendo perdido, ainda, cerca de um metro e meio de intestino e ganhado muito peso, além de vir a ser acometida de depressão.

Assim, pretende, por meio desta demanda, a condenação do médico que realizou o procedimento, do Hospital Santa Lúcia, onde foi feita a cirurgia e de cujo corpo clínico o profissional da área médica participa, bem como do Município de Poços de Caldas, vez que a cirurgia foi realizada pelo SUS, ao pagamento de indenização pelos danos morais e estéticos que alega ter suportado.

Ao sentenciar, a Exma. Magistrada singular julgou procedente o pedido inicial, condenando os réus, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos morais, no importe de R$30.000,00 (trinta mil reais), e danos estéticos no importe de R$20.000,00 (vinte mil reais), tendo os requeridos interposto apelações, que ora passo a examinar.

Pois bem!

Inicialmente, em relação à legitimidade passiva dos apelantes Hospital Maternidade e Pronto Socorro Santa Lúcia e Município de Poços de Caldas, necessárias algumas considerações.

No caso dos autos, em que há prestação de serviço médico-hospitalar pelo SUS em hospital privado, tanto o Município quanto o Hospital são responsáveis pelos erros médicos cometidos no estabelecimento.

Na esteira da jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça, o nosocômio tem responsabilidade por erro de profissional de saúde integrante de seu corpo clínico. No caso em apreço, em que a parte autora imputa o cometimento de erro a profissional da área médica componente do corpo clínico do Hospital Santa Lúcia, inconcussa sua legitimidade para figurar no polo passivo da ação.

Confira-se:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. ERRO MÉDICO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO HOSPITAL POR DANO CAUSADO POR MÉDICO INTEGRANTE DO CORPO CLÍNICO. ACÓRDÃO RECORRIDO PROFERIDO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. QUANTUM ARBITRADO. REVISÃO. INVIABILIDADE. VALOR RAZOÁVEL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO” (AgRg no REsp nº 1.257.969/SC, Relator Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, julgado em 8/4/2014, DJe 15/4/2014).

Também é legitimado o município para responder por demanda que visa indenização por erro médico cometido em hospital particular credenciado ao SUS, segundo entendimento do STJ:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. HOSPITAL PRIVADO CONVENIADO AO SUS. RESPONSABILIDADE MUNICIPAL. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.

1. É inadmissível Recurso Especial quanto a questão que, a despeito da oposição de Embargos Declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal de origem. Incidência da Súmula 211/STJ.

2. O acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência do STJ, firmada no sentido de que o município possui legitimidade passiva nas ações de indenização por falha em atendimento médico ocorrida em hospital privado credenciado ao SUS, sendo a

responsabilidade, nesses casos, solidária. Precedentes: AgRg no AREsp 836.811/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 17/3/2016, DJe 22/3/2016; REsp 1.388.822/RN, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 16/6/2014, DJe 1º/7/2014 3. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.” (REsp 1702234 / SP – Rel. Min. Herman Benjamin. SEGUNDA TURMA. Jul. 16/11/2017. DJe. 19/12/2017)

Embora negue a responsabilidade do Município pelo evento narrado nesta ação, o Ofício nº75/2014/GAB, da Secretaria Municipal de Saúde de Poços de Caldas (fls. 585/586), confirma que o Hospital Santa Lúcia é contratado pelo SUS, sendo o ente público o responsável pela gestão do contrato.

Inolvidável, pois, que ambos os requeridos possuem legitimidade para a causa.

Feita essa consideração, no mérito propriamente, cediço que o dever de indenizar exige a comprovação dos requisitos da responsabilidade civil, quais sejam: o dano sofrido pela pessoa, o ato ilícito que resultou nesse dano e o nexo de causalidade entre o ato e o dano por ele produzido.

Para que gere a responsabilidade do Estado, imprescindível que se estabeleça um nexo causal entre o dano e a ação do agente, comissiva ou omissiva, sem o que não haveria o prejuízo, não importando se agiu com culpa ou dolo, elidindo-se a responsabilidade civil se não houver um comportamento contrário à ordem jurídica.

Nos termos do art. 37, §6º, da Constituição da República:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, o seguinte:

(…)

§6º. As pessoas jurídicas de direito público e as pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Da análise do supramencionado dispositivo constitucional, tem-se que a Responsabilidade do Estado – assim compreendida a União, os Estados-membros e os Municípios, assim como as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos – é objetiva para o ato comissivo, sob a modalidade do risco administrativo, respondendo a Administração Pública, pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, sendo, para tanto, suficiente a prova do nexo de causalidade entre o ato praticado e o dano dele advindo, desnecessária a comprovação da culpa.

Contudo, com aderência à linha de raciocínio de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 670), entendo que a Responsabilidade do Estado estabelecida na Constituição da República, além da conduta comissiva (responsabilidade objetiva do Estado), cobre a hipótese da conduta omissiva (responsabilidade subjetiva do Estado); há que se ressaltar, no entanto, diante da divergência doutrinária e jurisprudencial, a opção deste julgador é pela responsabilização subjetiva do Estado, nas situações de omissão ou pela má-prestação do serviço público (Faute du Service).

Para esclarecê-la, valiosa é a lição do mestre Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Responsabilidade subjetiva é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento contrário ao Direito – culposo ou danoso – consistente em causar um dano a outrem ou em deixar de impedi-lo quando obrigado a isso. Em face dos princípios publicísticos não é necessária a identificação de uma culpa individual para deflagrar-se a responsabilidade do Estado. Esta noção civilista é ultrapassada pela idéia denominada de faute du service entre os franceses. Ocorre a culpa do serviço ou “falta do serviço” quanto este não funciona, devendo funcionar, funciona mal ou funciona atrasado. Esta é a tríplice modalidade pela qual se apresenta e nela se traduz um elo entre a responsabilidade tradicional do Direito Civil e a responsabilidade objetiva.” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 670).

Com essas razões, que acolho, minha interpretação caminha na direção de que é juridicamente possível a adoção da teoria da responsabilidade subjetiva das pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos por omissão ou pela má-prestação do serviço (Faute du Service), por meio da qual se passa a exigir a prova da conduta antijurídica ou ilícita, culposa ou dolosa, do nexo causal e do dano.

Na responsabilidade subjetiva, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o ente público “descumpre o dever legal que lhe impunha obstar o evento lesivo”, isto é, faz-se “necessário que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão do comportamento inferior ao padrão legal exigível” (Curso de Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 795).

Demais disso, na hipótese específica de erro médico, há que se lembrar da previsão constante do art. 951 do Código Civil, segundo o qual, a indenização é “devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”.

Assim, o caso concreto deve ser examinado sob o prisma da responsabilidade subjetiva, pois o pedido de indenização repousa em supostos danos morais e estéticos sofridos pela apelada, em razão de desídia imputada ao médico que realizou a cirurgia denominada histerectomia, que teria deixado “compressa” (corpo estranho) dentro de sua cavidade abdominal, do que resultou a necessidade de realização de outros procedimentos cirúrgicos para retirada do material.

Consta dos prontuários e relatórios médicos de fls. 32/59 que a apelada realizou o procedimento cirúrgico de histerectomia, o qual foi executado pelo ora primeiro apelante, na data de 31/05/2010, no Hospital Maternidade e Pronto Socorro Santa Lúcia, com custeio pelo SUS.

Narra a exordial que, num primeiro momento, a cirurgia pareceu ter sido realizada em conformidade com o previsto; todavia, decorrido algum tempo, a apelada começou a sentir desconforto abdominal, que evoluiu para fortes dores, o que a levou a procurar o Hospital Santa Casa de Poços de Caldas.

Ao ser internada naquele nosocômio houve, primeiramente, a hipótese diagnóstica de cólicas renais; contudo, realizado exame de tomografia, a imagem revelou a presença de um “corpo estranho ovalado com conteúdo hipodenso no mesogástrico”. Por essa razão, a recorrida foi submetida a uma laparotomia exploradora, necessária para identificar a origem da massa.

Assim é que, realizado o referido procedimento, constatou-se que a “massa”, na verdade, derivava de uma compressa que havia sido esquecida na cavidade abdominal da paciente, como relatado pelo médico que realizou a cirurgia de enterectomia + entero anastomose + drenagem para retirada de corpo estranho, em depoimento prestado à fl. 828.

Acerca do procedimento realizado, válida a transcrição do seguinte trecho da perícia judicial realizada nos autos, vista às fls. 769/782:

“Inicialmente fora internada devido a dores que foram atribuídas a um provável cálculo renal. Durante e investigação do cálculo renal, observou-se que a requerente era portadora de uma massa abdominal de origem incerta. Optou-se, então, diante dos sintomas da requerente, pela realização de uma cirurgia para explorar o abdome (laparotomia exploradora) e tentar identificar a origem da massa. A incerteza sobre sua origem obriga o médico a fazer uma incisão ampla (desde a região superior do abdome até a região púbica – incisão xifo-púbica). Durante esta exploração abdominal a natureza da massa foi descoberta – tratava-se de uma compressa, que já estava aderida às estruturas circunjacentes. A compressa foi retirada e nesse processo, aparentemente houve uma lesão intestinal, que foi prontamente reconhecida e costurada. A lesão é esperada devido às aderências que se formam, tornando difícil a retirada incólume da compressa.” (fl. 779 – grifei)

Defendem os apelantes que a compressa encontrada na cavidade abdominal da apelada poderia ter sido deixada em cirurgias anteriores pelas quais passou (cesarianas), não sendo possível afirmar que seria decorrente da histerectomia.

Não obstante, a esse respeito, o perito foi firme:

“O perito pode afirmar que se a compressa fosse de cirurgias anteriores, a sua presença e/ou a reação a ela seriam notadas durante o procedimento cirúrgico realizado pelo requerido. Ora, se houve revisão da cavidade apta a identificar a presença de compressa deixada durante aquele ato cirúrgico, o que dizer de uma compressa deixada em outro ato cirúrgico anterior?

Além disso, os sintomas se iniciaram depois da histerectomia e as outras cirurgias foram realizadas há décadas.

Sendo assim, o conjunto probatório aponta no sentido de que a compressa foi deixada durante o ato cirúrgico realizado pelo requerido.”

Dessa feita, inolvidável que há nexo de causalidade entre a conduta do primeiro apelante, que, por descuido, deixou compressa no abdome da apelada durante a cirurgia de histerectomia, e o dano advindo para a paciente, que precisou realizar um segundo procedimento para exploração da cavidade abdominal, mediante incisão ampla denominada xifo-púbica, porque não se sabia ao certo do que se tratava a massa encontrada na tomografia, bem como a lesão sofrida na alça intestinal, devido às aderências que se formaram pela presença da compressa, tornando difícil a sua retirada incólume.

Insta consignar que se a compressa não tivesse sido esquecida não haveria necessidade de uma segunda cirurgia, não haveria a incisão ampla no abdômen da recorrida e não haveria lesão causada em alça intestinal em virtude das aderências causadas pela compressa.

O conceito de causa ou princípio, fundamental na hipótese de se apurar responsabilidade objetiva ou subjetiva, significa “aquilo do qual alguma coisa deriva ou procede, de tal modo que tirado o princípio, se tira tudo aquilo que deriva ou procede”. Não se confunde com ocasião, que é a oportunidade ou circunstância da ação causal; distingue-se da condição, “que é o que remove o impedimento ao exercício da causalidade; também distingue-se dos meios, que são aquilo sem os quais a causa não causa e com os quais causa”. (Aniceto Molinaro, Matafísica, 2ª ed, 2004, São Paulo. Editora Paulus)

Segundo Sérgio Cavalieri Filho, “o dano moral nada mais é do que agressão à dignidade humana”, e explica:

“(…) só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero aborrecimento, dissabor, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos. (…)” (in Programa de Responsabilidade Civil – 10. ed. – São Paulo: Atlas, 2012, p. 93).

Carlos Roberto Gonçalves, ao conceituar o dano moral assevera:

“Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação” (GONCALVES, 2009, p.359).

Assim, constitui dano moral a lesão decorrente do sentimento de dor, humilhação, sofrimento físico ou espiritual, que impinge tristezas, preocupações ou angústias, que afetam o psicológico do ofendido, servindo, a indenização, como forma de compensar a lesão sofrida.

In casu, não há dúvidas de que configurado o dano moral e estético, porquanto a má prestação do serviço levou a apelada a ser submetida a novo procedimento cirúrgico, com a abertura de sua cavidade abdominal, desde a região superior do abdome até a região púbica, como mostram as imagens fotográficas de fl. 23, tendo permanecido com o abdome aberto durante certo período para o procedimento de “lavagem”, resultando, naturalmente, em cicatrizes que permaneceram gravadas em sua pele para sempre.

Do relatório de evolução diária da recorrida, constou a observação de que, já após a cirurgia para retirada do corpo estranho, ela adotou uma postura reservada, pouco receptiva e em fase de negação, demonstrando ansiedade e angústia, adotando o isolamento como mecanismo de defesa (fl. 169).

Demais disso, o perito atestou que “há uma sequela estética decorrente da incisão cirúrgica” (fl. 780), embora com bom resultado, considerando todo o procedimento realizado. De se pontuar que o relatório do perito foi elaborado em 2017, após decorridos cerca de cinco anos desde a cirurgia.

Portanto, estou em que devida a indenização pelos danos morais e estéticos comprovados nos autos.

Quanto à alegação do Município de que a recorrida teria desistido de abrir um procedimento administrativo contra o médico que realizou a cirurgia (fl. 332), foi por ela própria esclarecido que, de fato, desistiu da investigação porque o primeiro requerido a teria contratado para trabalhar em sua clínica durante período eleitoral. Não obstante, é de conhecimento amplo que não há vinculação entre as esferas administrativa e civil, de modo que a desistência em dar continuidade àquele procedimento, não afasta a possibilidade de investigação e, por conseguinte, eventual condenação na via judicial.

No que tange ao quantum relativo aos danos morais, entendo que devem ser arbitrados à luz do cânone da proporcionalidade, em que há relação de causalidade entre meio e fim, entre a ofensa e os objetivos da exemplaridade, e não, da razoabilidade, aplicável quando há conflito entre a norma geral e a norma individual concreta, entre o critério e a medida.

In casu, a sentença fixou o valor da indenização por danos morais em R$30.000,00 (trinta mil reais) e danos estéticos em R$20.000,00 (vinte mil reais), a serem pagos solidariamente pelos réus. Sopesadas as circunstâncias do caso concreto, entendo que esse valor deve ser mantido por se revelar suficiente para os fins da exemplaridade, sem se mostrar exorbitante ou insignificante.

Em relação aos honorários advocatícios, melhor sorte não tem o segundo apelante.

A sentença condenou os réus a, solidariamente, pagarem a indenização à autora, bem como ao pagamento das custas, despesas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atualizado da condenação.

Dispõe o art. 87 e §§1º e 2º do NCPC/2015:

“Art. 87. Concorrendo diversos autores ou diversos réus, os vencidos respondem proporcionalmente pelas despesas e pelos honorários.

§ 1º A sentença deverá distribuir entre os litisconsortes, de forma expressa, a responsabilidade proporcional pelo pagamento das verbas previstas no caput .

§ 2º Se a distribuição de que trata o § 1º não for feita, os vencidos responderão solidariamente pelas despesas e pelos honorários.” (grifei)

Destarte, não tendo havido a distribuição expressa do pagamento dos honorários da sentença, deverão os vencidos responder solidariamente pelo seu pagamento.

Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO AOS RECURSOS.

Por força do art. 85, §11, do NCPC/2015, majoro os honorários advocatícios fixados em primeiro grau, a serem suportados pelos apelantes, em 2% (dois por cento). Ressalto, apenas, que o ente público é isento do pagamento das custas, na forma da Lei 14.939/2003.

Custas recursais, ex lege.

DES. WANDER MAROTTA – De acordo com o(a) Relator(a).

DES. CARLOS LEVENHAGEN – De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: “NEGARAM PROVIMENTO AOS RECURSOS”

(Matéria escrita e publicada pelo advogado Sérgio Marcelino Nóbrega de Castro). 

Publicado em 7 de abril de 2020

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