Um advogado foi denunciado por ter captado clientes que contrataram empréstimo de forma regular e os incentivado a ajuizarem ações judiciais sob o argumento de que as contratações não foram efetuadas por esses clientes, e por via de consequência o advogado requeria a devolução dos valores pagos, tendo em vista que os descontos das parcelas eram ilegais, e ainda requeria indenização pelo dano sofrido.
O processo aportou no STJ – Superior Tribunal de Justiça, e foi julgado pela Quinta Turma, e por unanimidade trancou a ação penal que tramitava em desfavor do advogado infrator.
Para o ministro Ribeiro Dantas, que foi o relator do processo, mesmo que o advogado tenha conhecimento da ilegitimidade da ação, a sua conduta não configurou o crime de estelionato, tipificado no artigo 171, caput, do Código Penal Brasileiro, já que a sua atuação apenas pode ser punida por multa ou indenização, por se tratar de infração civil e administrativa.
No acórdão, o ministro relator textualizou: “A conduta constitui infração civil aos deveres processuais das partes, nos termos do artigo 77, II, do Código de Processo Civil, e pode sujeitar a parte ao pagamento de multa e indenizar à parte contrária pelos danos processuais, consoante artigo 79, artigo 80 e artigo 81 do Código de Processo Civil”.
Ainda segundo o ministro, o STJ já se pronunciou em casos similares pela desfiguração do delito de estelionato judicial, firmando um entendimento sobre o caso em questão: “Não configura estelionato judicial a conduta de fazer afirmações possivelmente falsas, com base em documentos também tidos por adulterados, em ação judicial, porque a Constituição da República assegura à parte o acesso ao Poder Judiciário”.
A questão de indução em erro ao magistrado, também foi descartada pela Corte de Justiça, já que o processo viabiliza o exercício do contraditório, além de possibilitar a interposição de recursos no âmbito cível.
Para a Corte de Justiça a possível ilicitude de documentos que respaldaram o pedido na ação judicial, caracterizariam crimes autônomos e não o de estelionato judicial, sendo figuras delitivas distintas.
Segundo o relator do acórdão a eventual deslealdade processual tem o meio jurídico punitivo adequado dentro do próprio Código de Processo Civil, que viabiliza o pagamento de multa e condenação em litigância de má-fé.
Os prejudicados também poderão buscar a punição do advogado através da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil, pela via do processo disciplinar, com respaldo no Estatuto da Advocacia.
É importante se frisar que, o habeas corpus “não foi conhecido”, por inadequação, mas, “foi concedido de ofício”, trancando o processo penal ao qual respondia o advogado infrator, com respaldo na atipicidade da conduta imputada ao advogado.
Para o leitor que tem interesse em maiores detalhes da decisão, segue o acórdão:
Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS Nº 419.242 - MA (2017/0257578-6)
RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS
IMPETRANTE : FRANCISCO TADEU OLIVEIRA SANTOS
ADVOGADO : FRANCISCO TADEU OLIVEIRA SANTOS - MA010660A
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO
PACIENTE : FRANCISCO TADEU OLIVEIRA SANTOS
EMENTA
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO.
INADEQUAÇÃO. ESTELIONATO JUDICIAL. ATIPICIDADE
RECONHECIDA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO . ORDEM
CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido
de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto
para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando
constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida
excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca
comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da
punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a
materialidade do delito.
3.O estelionato judicial consiste no uso do processo judicial para auferir lucros
ou vantagens indevidas, mediante fraude, ardil ou engodo, ludibriando a
Justiça, com ciência da inidoneidade da demanda. Percebe-se que a leitura das
elementares do art. 171, caput, do Código Penal deve estar em consonância
com a garantia constitucional da inafastabilidade jurisdicional (CF, art. 5º,
XXXV), do que decorre o entendimento segundo o qual o direito de ação é
subjetivo e público e abstrato, em relação ao direito material. Desse modo,
verifica-se atipicidade penal da conduta de invocar causa de pedir remota
inexistente para alcançar consequências jurídicas pretendidas, mesmo que a
parte ou seu procurador tenham ciência da ilegitimidade da demanda.
4. Em verdade, a conduta constitui infração civil aos deveres processuais das
partes, nos termos do art. 77, II, do Código de Processo Civil, e pode sujeitar a
parte ao pagamento de multa e indenizar a parte contrária pelos danos
processuais, consoante arts. 79, 80 e 81 do Código de Processo Civil ilícito
processual. Outrossim, conforme art. 34, XIV, da Lei n. 8.906/1994, verifica-se
infração profissional do advogado deturpar a situação fática com o objetivo de
iludir o juízo. Conclui-se, pois, que a conduta descrita não configura infração
penal, mas meramente civil e administrativa, sujeita à punição correlata.
5. Em princípio, os meios de induzir a erro o julgador podem ensejar a
subordinação típica a crimes autônomos. Cite-se, exemplificativamente, a
hipótese do advogado valer-se de testemunha ou de qualquer auxiliar da justiça
para falsear a verdade processual, na forma dos arts. 343 ou 344; produzir ou
oferecer documento falso, material ou ideologicamente (CP, arts. 297 e 304 do
CP). No processo, há produção de provas e condução pelo juiz, de forma que,
se prejuízo houver, advirá da sentença e não da atitude de qualquer das partes.
Pode-se até falar em erro judiciário, porém não em estelionato judiciário, o que
enseja, inclusive a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória, com
fundamento no art. 966, VI e VII, do Código de Processo Civil.
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para que seja
trancado o processo penal em questão, diante da atipicidade da conduta
imputada ao paciente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Felix Fischer, Jorge Mussi e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 12 de dezembro de 2017 (data do julgamento)
MINISTRO RIBEIRO DANTAS
Relator
(Matéria escrita e publicada pelo Advogado Sérgio Marcelino Nóbrega de Castro).